terça-feira, 4 de junho de 2013

O dia em que Pacheco Pereira foi camarada amigo



Ou o dia em que a esquerda aplaudiu Sá Carneiro


1664, é este o número de lugares sentados na Aula Magna na Universidade de Lisboa. Entre o anfiteatro, as tribunas e as doutorais, são 1664 lugares sentados que no dia 30 de maio foram ocupados por críticos e inconformados com o estado de coisas.

Ainda mais inconformados estavam aqueles que não se deixaram intimidar pela lotação esgotada dos assentos e decidiram-se pelo chão, pelas escadas e corredores, para conseguir testemunhar uma iniciativa inédita, portentosa e, acho, - apesar de só o futuro o poder dizer – histórica.

Mais de duas mil pessoas encheram aquele espaço. Entre ilustres e não tão ilustres, estudantes (como eu) e reformados, radicais e moderados, 2000 chega a ser um número singelo para o alvoroço que se fez sentir durante cerca de noventa minutos.

Mário Soares, apesar dos seus oitenta e oito anos, e problemas de saúde bem recentes, conseguiu convocar e organizar um encontro inédito, apesar das clivagens ideológicas e conflitos da esquerda portuguesa. 

Contra o que se esperava, conseguiu reunir e concertar o que se julgava impraticável; reunir toda a esquerda, com sindicais à mistura, conseguindo polvilhar a sala também de independentes e de sociais democratas que ainda respeitam o que significa ser do PSD. Os corajosos e coerentes, diga-se.

Mas vamos ao que interessa: Libertar Portugal da Austeridade. Foi este o título da conferência, dando também o mote à mesma.

Os oradores foram Mário Soares – claro está -, Rosália Gama, Cecília Honório, João Ferreira, Ramos Preto e Sampaio da Nóvoa. Todos mostraram à Aula Magna que ninguém estava sozinho na luta contra o austerismo crónico em Portugal e na Europa. Apesar do contributo fundamental de cada um, há que sublinhar o que se passou de pior e de melhor na magna sala.

Primeiramente, e porque ainda não percebi o objetivo, os partidos com assento parlamentar resolveram enviar representantes de segunda linha para o congresso, mostrando pouco empenho e sensibilidade para a magnitude do mesmo. 

Percebo o argumento de que queriam partidarizar o congresso o menos possível, sem secretários gerais ou líderes parlamentares presentes. Contudo, isso sucedeu na mesma: tanto Cecília Honório, como João Ferreira e Ramos Preto apresentaram os programas do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português e do Partido Socialista, respetivamente. Destes três, o PS foi o que saiu menos fortalecido e acho que fez por o merecer.

Na oportunidade única que foi este congresso, o PS resolveu enviar um senhor que muita gente não sabe quem é nem lhe conhece a cara, que presenteou o auditório com um discurso ainda menos galvanizador que os do seu Secretário Geral, onde foi tudo muito à superfície e pouco importado com a emergência do debate.

Bem dito, bem feito; conseguiu ser menos agregador que o destacado pelo PCP, naquela que foi uma oportunidade única de ganhar eleitorado mais à esquerda da moderação patológica socialista.

Julgo que o congresso valeu mesmo pelo seu início e pelo fim. Mário Soares, impulsionado pela carta aberta do “camarada” Pacheco Pereira - um lapsus linguae que provocou risos aos presentes, por talvez não ser tão inexato assim –, deu uma pequena aula de História. 

Nesta aula, fez questão de relembrar Sá Carneiro e, através dele, a lição de “que acima do partido e das suas circunstâncias está Portugal” e de que o fundador do PSD sentiria vergonha por ver este governo, na medida em que o seu partido era social democrata e não de direita. Um auditório esquerdista aplaudiu Sá Carneiro, depois de aplaudir efusivamente cada frase mais vincada de Soares.

A Grândola fez-se ouvir no final, mas não sem antes o reitor da Universidade de Lisboa encerrar a sessão. E foi aí onde se sentiu o peso que as palavras verdadeiras, sem demagogia nem histericismo, têm sobre um povo faminto de caras novas e de salvadores que, pelo menos, defendam a sua pátria. Foi aí que falou Sampaio da Nóvoa.

No seu ar pausado, meticuloso e quente, fez com que a Aula Magna se agitasse com a simplicidade e importância do que dizia. Foi um homem que não é político a igualar (acho que suplantou) o político decano Mário Soares.

Sempre no realismo de que “não há receitas feitas” mas que têm de haver “diálogo e debate”, começou por dizer que tinha a “estranha sensação de que todas as palavras já foram ditas”. Sampaio da Nóvoa seduziu quem lá se encontrava com um discurso que nem tão cedo cairá no esquecimento. 

Muito menos cairão as palavras que disse, as palavras que têm faltado nas bocas de muitos políticos da esquerda à direita; a ameaça da desintegração do regime; a quebra do contrato social; as desigualdades crescentes; e a irremediável descrença na política e na democracia.

O reitor exigiu a renovação da política e todos concordaram, na esperança de que os ilustres presentes e seus respetivos aparelhos partidários o escutassem. A política tem de ser renovada e Sampaio da Nóvoa é capaz de o ter começado a fazer sem se aperceber.

Em menos de dez minutos, o reitor conseguiu exaltar e entusiasmar os espetadores que vibravam e batiam palmas a cada palavra e a cada frase que se sentia que era de todos. Naquele momento, mais de duas mil pessoas coadotaram o discurso de Sampaio de Nóvoa por aquilo representar o espírito de um povo desiludido e descrente.

Apesar dos apupos ao atual Presidente da República durante a conferência, naquele momento em que todos se uniram numa ovação de pé ao reitor, ficou o sabor da esperança de uma sua eventual candidatura. Algo que só se saberá daqui por uns tempos. Eu tenho a sensação que sim.

Na noite em que Pacheco Pereira foi camarada de todos, percebeu-se que a camaradagem real neste momento é daqueles que defendem o bem comum, aquele que não passa pelas amarras da austeridade. 

João Martins
1º ano Ciência Política 

O artigo publicado é da exclusiva responsabilidade do seu autor.

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